Conte um pouco sobre sua história.
Eu sou artista visual e escritor. Nasci em Brasília (DF), tenho 32 anos, sou filho de família negra e ascendência indígena, vinda do interior de Bahia, por parte de pai e, Minas Gerais, por parte de mãe. Cresci e vivo em São Sebastião, uma cidade da periferia aqui do DF, marcada por uma efervescência cultural, mas também com aspecto interiorano e com forte presença de migrantes. Aqui, entre os coletivos que colaboro, faço parte do Movimento Supernova desde seu início, em 2010. Juntos, já fizemos saraus, festivais, oficinas, shows, exposições, enfim, uma infinidade de rolês.
Desenho e escrevo desde criança e, aos 20 anos, entendi que queria ser artista profissionalmente. Me inscrevi em um curso de pintura e a professora me disse: “A pintura é um ato de coragem”, e essa frase me marcou muito. Eu passei a olhar para a pintura como essa gestualidade corajosa, como que manusear uma arma de guerra. Depois, também tive contato com a dança e isso foi muito importante pra minha formação como artista visual, de perceber a relação que a corporeidade expressa. Um movimento de reconhecimento corporal, de ter consciência do meu corpo através da dança, do yoga, por exemplo, esses exercícios de preparação corporal, me deram uma outra noção sobre quem eu sou e até sobre o meu desenho.
Nesse período, estudei Publicidade e Propaganda na Faculdade Fortium, que colaborou com a minha compreensão sobre teorias da comunicação e prática do design para minhas próprias ações artísticas. Em seguida, iniciei o curso de Teoria, Crítica e História da Arte na UnB. Desde então, desenhar, pra mim, está intimamente ligado a um processo de auto-descoberta e autoanálise, criação e continuidade de uma identidade. No caso, como pontos-chave mais expressivos, de homem negro, homossexual/bicha e em território periférico e interiorano.
Como você vê as desigualdades brasileiras?
Eu compreendo as desigualdades brasileiras como parte de um processo histórico e estrutural que organiza a vida social a partir de interesses de grupos específicos. É fundamental compreender que o fator racial também é um elemento que perpassa esse problema, considerando que a população negra e indígena estão mais vulneráveis a todos os tipos de violência, como as de classe, sexualidade, gênero, religioso e até ambiental. Nesse sentido, em minha atuação artística e cultural busco gerar reflexões e práticas que valorizem a continuidade dessas culturas que me constituem. Perpassando do político ao cultural, compreendo que a arte vem como uma ferramenta catalisadora. Ao observarmos as cosmovisões desses povos, aprendemos que pelo sentir absorvemos uma profundidade que nem sempre o racional dá conta, estabelecendo uma comunicação com algo mais profundo.
Fale sobre sua obra que está no calendário Oxfam Brasil 2022.
O meu trabalho aborda a representação e percepção das emoções no corpo, através do desenho, dança e literatura. Durante meu processo criativo, vou fazendo as coisas no momento, e, durante o processo de fazer, entender o que é isso, relaciono a existência das coisas. Olhar pro meu desenho e olhar pra minha dança, olhar pras minhas emoções, olhar pro que está acontecendo ao meu redor, entender criticamente as relações sociais, mas a partir das minhas sensações, também. Nesse sentido, à medida em que eu fui compreendendo mais a cosmovisão africana, compreendendo, por exemplo, o que são os orixás, enquanto forças da natureza que operam em sinergia com o universo, eu fui entendendo uma ligação que eu já compreendia dentro do meu processo criativo: do sentir que vai tomando uma existência concreta a partir das ações.